Seu guia brasileiro exclusivo na Europa Oriental

30.7.12

Arte salvadora

A cidade portuária de Burgas, a antiga Pyrgos grega, onde foi perpetrado, dia 18 de julho passado, um sangrento atentado terrorista visando turistas israelenses, foi num passado não muito distante um importante centro comercial cosmopolita que reuniu gregos, búlgaros, turcos, armênios e ciganos, e que também contou com uma significativa comunidade judaica.

Testemunho da presença dos judeus em Burgas é uma imponente sinagoga, construída em 1909 e arquitetada pelo italiano Ricardo Toscani, numa rua central da cidade.

À diferença do destino de outras sinagogas no território búlgaro, que se transformaram em ruínas, a de Burgas teve a sorte de abrigar, em 1966, uma galeria de arte. Tal insólito fato, que garantiu e tem garantido até hoje sua boa manutenção, foi naturalmente favorecido pela emigração massiva da comunidade judaica búlgara para a Palestina logo após o término da II Grande Guerra.

No dia 7 de julho, ao visitar a cidade no calor do verão balcânico, hesitei entrar na galeria. Atravessei os seus umbrais e me dirigi ao guichê, decorado com cartões que reproduziam obras de arte cristãs-ortodoxas do acervo, para comprar o bilhete de entrada. Dominado por uma estranha sensação, uma náusea que se insinuou talvez bobamente, desisti e decidi deixar o prédio, lançando antes um olhar para o salão do térreo, onde um piano de cauda aguardava um concerto, e para os degraus que sinuosos davam acesso ao andar de cima.

Era como se houvesse sido acometido por uma vergonha diante de todos aqueles que, no passado, freqüentaram a sinagoga enquanto sinagoga, e agora eu manchasse sua memória. Não deveria entretanto alegrar-me com o fato de o prédio ter sido preservado? Algo, porém, impediu-me de ali entrar.

27.6.11

Oisiovici

Em fevereiro de 2011 tive o prazer de guiar o baiano Levi Oisiovici pelos principais locais da herança judaica em Bucareste, antes de sua viagem a Iasi, cidade de seus antepassados. Lá ele conseguiu localizar túmulos de parentes e até mesmo a casa onde morou sua família antes de se mudar para o Brasil em 1937. 

Em Bucareste, ele também se reuniu com membros da comunidade judaica local e se encontrou com um primo de cuja existência soube há poucos anos. Embora a Romênia tenha se tornado sua nova paixão, a paixão mais antiga de Levi são os curiós que ele cria com atenção e carinho em seu viveiro de Campinas.

26.6.11

Fantasmas de tijolo

No início de março de 2011 voltei a Czernowitz. O alfabeto cirílico, as marcas da União Soviética no quotidiano, visíveis em automóveis e interfones, a preocupação do povo sofrido em se agitar para ter o que comer no dia seguinte - tudo isso contrasta com a arquitetura do centro da cidade, heranças austríaca e romena, como se aquele cenário não tivesse absolutamente nada a ver com a peça que está sendo ora representada.

Fora a minoria romena, que deplora ainda hoje, em surdina, a perda da Bucovina setentrional e sua capital Czernowitz para a então República Socialista Soviética da Ucrânia no fim da II Guerra Mundial, o resto da população não parece estar consciente - e deveria estar? - de habitar lugares que outrora constituíam talvez a mais cosmopolita das cidades do Império Austro-Húngaro, de inigualável efervescência cultural.

Encontrei a Grande Sinagoga [foto acima], construída na primeira metade do século XIX em estilo típico da Galícia, no centro do antigo bairro judaico, na atual rua Henry Barbusse, albergando um ateliê de portas e janelas e outros pequenos negócios em seu quintal, como por exemplo o comércio de cruzes para cemitérios. O atual proprietário parece estar tratando bem do imóvel na medida do possível, tendo inclusive mantido uma inscrição em hebraico descoberta por cima da entrada principal. Desde 1865, quando o bairro judaico foi consumido por um incêndio, a sinagoga gerou várias lendas a respeito de seu poder miraculoso ao sair ilesa em meio às labaredas.

Atrás dela encontram-se as ruínas de um hospital judaico [foto ao lado] construído na década de 1930 graças à doação do famoso tenor judeu-alemão Joseph Schmidt, nascido na Bucovina em 1904.

10.3.11

Em Kamenets da Podólia

Kamenets da Podólia (Кам’янець-Подільський em ucraniano, Камене́ц-Подо́льский em russo, Kamieniec Podolski em polonês, Cameniţa Podoliei em romeno, Kamaniçe em turco, Camenecium em latim, Kamenyeck-Podolszk em  húngaro, קאָמענעץ em iídiche) é uma cidade hoje de quase 100 mil habitantes. Seu coração, entretanto, se restringe a uma pequena área determinada por um desenho em forma de ômega que o rio Smotrych imprime ao relevo, formando uma garganta de 40 metros de profundidade. 

Embora mais da metade do centro histórico tenha sido destruído durante os embates da II Guerra Mundial, a cidade ainda tem muito a oferecer, sobretudo do ponto de vista arquitetônico, do seu movimentado passado de bastião oriental do Cristianismo, em que procurou deter o avanço dos mongóis, na Idade Média e, mais tarde, dos tártaros e dos turcos otomanos, estes últimos tendo capturado e dominado a cidade nas últimas décadas do século XVII - deixando, entre marcas diversas, um minarete colado à catedral católica [foto]. 

Judeus, armênios, poloneses e ucranianos, dentre outros povos, marcaram a sua paisagem e o seu desenvolvimento, conferindo-lhe um caráter multiétnico até a II Guerra Mundial, quando a cidade se deparou com o extermínio da população judaica por parte dos nazistas - o cemitério israelita local comporta uma vala comum daquela época - e com a deportação de poloneses e ucranianos por parte dos russos.

No início do mês de março, faz muito frio na cidade, um frio umedecido pelas águas do rio e endurecido pelas pedras centenárias, por cima das quais, apesar do gelo e da neve, parece que ainda se pode ouvir o escorrer de todo o sangue vertido no passado. Enfrentando um cortante vento gelado, o excelente guia Maxim me mostrou sinteticamente a cidade medieval, deixando a fortaleza para uma ocasião de temperaturas mais altas. Terminamos nosso passeio bebendo chá e comendo panquecas recheadas com sementes de papoula e com cereja num restaurante - que funciona no prédio da Sinagoga dos Alfaiates, única que restou em pé em Kamenets [foto], ao lado de um bastião da muralha medieval que dá para o rio.

27.1.11

Mayn shtetele Soroke

Soroca (Сороки em russo, Сороки em ucraniano, Soroki em polonês, םאָראָקע em iídiche) é capital de distrito homônimo e porto no rio Dniester, na atual República Moldova. A primeira referência documental à localidade data de 1499. Foi sede de uma das mais antigas comunidades judaicas da Bessarábia. Os mais antigos túmulos judaicos são do século XVI. A sinagoga principal foi construída em 1775. Em 1772, uma dúzia de famílias judias (de um total de 170 famílias), vivia em Soroca.

Situada numa das áreas mais férteis do mundo, de tchernoziom, Soroca - que passou a pertencer à Rússia em 1812 - tornou-se um centro de rápido crescimento dos assentamentos judaicos desde a criação das primeiras colônias agrícolas judaicas em 1836. Em 1817, 157 famílias judias viviam em Soroca, em 1847 havia 343; em 1864 havia 4135 e, em 1897, havia 8783 (representando 57% da população). Considerada em 1861 um dos principais centros de atividade agrícola judaica na Rússia, Soroca e seus assentamentos agrícolas periféricos produziam tabaco, uvas e diversas outras frutas.

Em 1900, no auge da vida judaica em Soroca, a cidade contava com 17 sinagogas. A emigração, porém, principalmente para os Estados Unidos e Argentina, começou com a aprovação das leis restritivas de maio de 1882 do tzar Alexandre III e com as dificuldades econômicas resultantes. Em 1930, a cidade tinha 5462 judeus (36% da população).


Quando as forças alemãs e romenas entraram em Soroca em julho de 1941, iniciou-se a aniquilação sistemática dos judeus. Um campo de concentração foi criado nas adjacências, em Vertujeni, onde 26 mil judeus foram presos. De setembro até o final de dezembro de 1941, os sobreviventes foram deportados a pé para campos na Transnístria. Muitos foram mortos ou morreram de fome e exaustão durante o caminho. Poucos sobreviveram à guerra.

Estima-se que, após a guerra, talvez houvesse 1000 judeus em Soroca. Cerca de 200 judeus viviam lá em 2004.

Na década de 1990, Arkady Gendler, um nativo de Soroca, escreveu a canção Mayn shtetele Soroke.

Fonte: artigo Soroca, de autoria de Wolf Moskovich, publicado na YIVO.

20.1.11

Rússia a cores 100 anos atrás


O Boston Globe nos convida a olhar para o passado com uma extraordinária coleção de fotos coloridas tiradas na Rússia entre 1909 e 1912. Naqueles anos, o fotógrafo Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii (1863-1944) realizou um levantamento fotográfico do Império Russo, com o apoio do czar Nicolau II. Ele usou uma câmera especial para capturar três imagens em preto e branco em sucessão rápida, utilizando filtros vermelho, verde e azul, que mais tarde podiam ser recombinadas e projetadas de maneira a revelar um colorido muitíssimo próximo da realidade. A alta qualidade das imagens, combinadas às cores brilhantes, faz quase duvidar que se trate de imagens de 100 anos. Confira aqui a coleção de fotos, disponibilizada pela Biblioteca do Congresso dos EUA, que adquiriu as placas de vidro originais em 1948. também imagens relacionadas à herança judaica local, como a de cima, retratando crianças judias com seu professor em Samarcanda (atual Uzbequistão), em torno de 1910.

Fonte: The Boston Globe

6.1.11

A Bessarábia de Ghivelder

Sugiro a leitura do interessante artigo Bessarábia, era uma terra doce e bonita..., de autoria de Zevi Ghivelder, publicado em 10/04/2010 no website da Sinagoga Adat Ischurum, cujo breve fragmento abaixo reproduzo. A versão integral pode ser acessada aqui.

A Bessarábia, hoje República Moldova, teve a pouca sorte de ter seu território de 34 mil quilômetros quadrados (pouco menos do que o estado de Alagoas), ladeado pelos rios Dniester e Prut, ou seja, localizado entre a Romênia e a Ucrânia, dois assumidos bastiões do anti-semitismo no leste europeu e que inclusive se aliaram aos nazistas durante a 2a Guerra Mundial. A presença judaica naquelas paragens, então chamada de Moldávia, é assinalada por volta do século 16. Os judeus se dedicavam ao pequeno comércio, mas, assim que alcançaram algum progresso em suas atividades, foram expulsos para a Galícia, na Polônia, e para a Podólia, no sudeste da Ucrânia. Em meados do século 18, os judeus tentaram novamente se radicar na Moldávia, tendo como principal ocupação a travessia de pessoas e cargas através do rio Dniester. Mais uma vez foram expulsos. Só retornaram no século seguinte, depois do conflito entre a Rússia e a Turquia. Como vencedor, o império russo anexou o território denominado Bessarábia. Em 1818, foi editado um decreto segundo o qual os judeus ficavam proibidos de possuir qualquer tipo de terra para fins de agricultura, mas podiam comerciar variadas mercadorias e operar moinhos de trigo. Um censo do ano anterior apontava a existência de cerca de 19 mil judeus na Bessarábia, correspondendo a 4,2% do total de seus habitantes.