Transcrevo, a seguir, fragmentos do artigo Viagem à terra de meu pai, de autoria de Flavio Mendes Bitelman, publicado no número 16, ano IV, da Revista 18, de junho/julho/agosto de 2006, do Centro da Cultura Judaica. Na foto, a família Bitelman em Kishinev, em 1926.
De tanto ver os nomes de ancestrais da Bessarábia, a idéia de fazer uma viagem ao passado e conhecer a terra de meus quatro avós e de meu pai foi se enraizando em mim. Uma viagem à região – a Bessarábia foi disputada pela Rússia e pela Romênia, hoje é parte da Moldova – vinha sendo ensaiada desde 2002. O filme Uma Vida Iluminada, baseado no romance Tudo se ilumina, do norte-americano Jonathan Safran Foer, a que assisti há alguns meses, deu o impulso que faltava. Umas três semanas depois de assistir ao filme recebia um formulário do governo da Moldova, registrado e carimbado, com um convite para visitar o país.
Ao chegar a Kishinev, depois das burocracias de rotina, consegui meu visto e passei pela fila dos passaportes. Lá fora, os primos Ilusha e Senia aguardavam. Nos reconhecemos imediatamente e nos abraçamos. Foi muito emocionante. Antes mesmo de irmos ao hotel, eles nos guiaram pelas ruas de Kishinev e foram me mostrar a rua onde meu pai morava. O número exato, ninguém mais sabia, mas sentir a rua onde meu pai brincava, visitava seus vizinhos, passeava, ia trabalhar, embaixo de copas de árvores frondosas, foi muito forte. À noite fomos jantar num delicioso restaurante. O mais importante era nos conhecermos melhor, conversar, trocar presentes, ver fotos da família – e também beber o conhaque e o excelente vinho da própria Moldova.
No dia seguinte logo cedo, após o café, nosso destino foi o cemitério de Kishinev, local muito bonito e agradável, com muitas arvores, uma zeladora simpática e competente que logo procurou um grande livro onde constam os nomes das pessoas sepultadas ali. Ela encontrou dois Bitelmans: um era Michel Bitelman, tio de meu pai, falecido em 1912, de quem meu pai recebeu o nome para homenageá-lo e perpetuar sua memória. E o outro túmulo era de Sura, filha de Michel, falecida em 1939. Levei comigo um saco plástico impermeável com fecho, e peguei um pouco de terra do túmulo de meu tio-avô, para trazer ao túmulo de meu pai no Brasil, e aos túmulos de seus irmãos e pais.
Vimos também o túmulo de um Kaushansky. Minha avó paterna e a avó paterna de Ilusha, que eram irmãs, tinham este mesmo sobrenome quando solteiras: Kaushansky. E visitamos também a outra avó de Ilusha, Sura Sobel, mãe da mãe dele.
O dia seguinte foi dedicado a uma viagem mais longa: fomos na direção de Yedenetz, hoje conhecida como Edinet. Meu avô materno Favich Malay, que no Brasil se tornou Paulo Mendes, nasceu em Yedenetz – e, por coincidência, o pai do meu cunhado, Jaime Serebrenic, também. Yedenetz era um autêntico shtetl na época em que meu avô materno a deixou, ao contrário de Kishinev, que foi a capital da Bessarábia e havia pertencido à Rússia por muitos e muitos anos e passou a fazer parte da Romênia em 1918, ao fim da 1ª Guerra Mundial. Hoje, Yedenetz já é uma cidade pequena com uns 30.000 habitantes, mas com cara de cidade. Como em Kishinev, resolvemos começar nossa visita pelo cemitério, mas aqui o cemitério não tinha nenhuma informação escrita sobre os túmulos e foi impossível achar quaisquer vestígios de parentes mortos. Uma parte do cemitério era mais nova, com túmulos bem organizados, mas, à medida que nos distanciávamos, os túmulos iam ficando mais antigos, em piores graus de conservação, até chegarmos a túmulos totalmente tomados pela vegetação, e com lápides tombadas e ilegíveis.
Minha avó materna Frida Fainbaum nasceu em Seccuron, hoje Secureni, a 13 quilômetros de Yedenetz, ao norte da Moldova, junto à fronteira com a Ucrânia [nota: Secureni fica hoje do outro lado da fronteira, em território ucraniano]. Não conseguimos chegar lá, pois queria ainda visitar Orghei, onde meu bisavô Avrum Moshe Bitelman nasceu. Seguimos viagem e paramos para almoçar em Beltz, hoje Balti. Mas Beltz também, de shtetl não tem mais nada: tornou-se a segunda ou terceira maior cidade da Moldova, com muitos prédios altos e indústrias. Continuamos até Orghei (ou Orhei), fomos ao cemitério, fotografamos, mas não encontramos nenhum túmulo de parente conhecido. Chegamos tarde de volta a Kishinev.
De um pequeno projeto de fazer a árvore genealógica da minha família foi se desenvolvendo em mim o desejo de conhecer a terra de meu pai. Conhecer o passado de nossa família, os lugares onde meu pai brincava e trabalhava, de onde saiu devido à pobreza da época e acabou chegando ao Brasil que tão bem acolheu a ele e a todos nós, fechou um ciclo dentro de mim. Infelizmente, meu querido pai Michel Bitelman faleceu em 1995, aos 81 anos de idade, e não pôde me acompanhar nesta viagem. Teria sido a realização de um grande sonho visitar a Bessarábia, e em especial Kishinev, na companhia dele, ouvindo seus comentários e vivenciando a sua felicidade em rever a terra natal. Em 1975, quando ele visitou a Rússia, o clima político ainda não era favorável e não teve a oportunidade de ir até a Bessarábia. Mas hoje, em 2006, eu realizei seu sonho e tenho certeza de que ele estava lá comigo dentro do meu coração.
Ao chegar a Kishinev, depois das burocracias de rotina, consegui meu visto e passei pela fila dos passaportes. Lá fora, os primos Ilusha e Senia aguardavam. Nos reconhecemos imediatamente e nos abraçamos. Foi muito emocionante. Antes mesmo de irmos ao hotel, eles nos guiaram pelas ruas de Kishinev e foram me mostrar a rua onde meu pai morava. O número exato, ninguém mais sabia, mas sentir a rua onde meu pai brincava, visitava seus vizinhos, passeava, ia trabalhar, embaixo de copas de árvores frondosas, foi muito forte. À noite fomos jantar num delicioso restaurante. O mais importante era nos conhecermos melhor, conversar, trocar presentes, ver fotos da família – e também beber o conhaque e o excelente vinho da própria Moldova.
No dia seguinte logo cedo, após o café, nosso destino foi o cemitério de Kishinev, local muito bonito e agradável, com muitas arvores, uma zeladora simpática e competente que logo procurou um grande livro onde constam os nomes das pessoas sepultadas ali. Ela encontrou dois Bitelmans: um era Michel Bitelman, tio de meu pai, falecido em 1912, de quem meu pai recebeu o nome para homenageá-lo e perpetuar sua memória. E o outro túmulo era de Sura, filha de Michel, falecida em 1939. Levei comigo um saco plástico impermeável com fecho, e peguei um pouco de terra do túmulo de meu tio-avô, para trazer ao túmulo de meu pai no Brasil, e aos túmulos de seus irmãos e pais.
Vimos também o túmulo de um Kaushansky. Minha avó paterna e a avó paterna de Ilusha, que eram irmãs, tinham este mesmo sobrenome quando solteiras: Kaushansky. E visitamos também a outra avó de Ilusha, Sura Sobel, mãe da mãe dele.
O dia seguinte foi dedicado a uma viagem mais longa: fomos na direção de Yedenetz, hoje conhecida como Edinet. Meu avô materno Favich Malay, que no Brasil se tornou Paulo Mendes, nasceu em Yedenetz – e, por coincidência, o pai do meu cunhado, Jaime Serebrenic, também. Yedenetz era um autêntico shtetl na época em que meu avô materno a deixou, ao contrário de Kishinev, que foi a capital da Bessarábia e havia pertencido à Rússia por muitos e muitos anos e passou a fazer parte da Romênia em 1918, ao fim da 1ª Guerra Mundial. Hoje, Yedenetz já é uma cidade pequena com uns 30.000 habitantes, mas com cara de cidade. Como em Kishinev, resolvemos começar nossa visita pelo cemitério, mas aqui o cemitério não tinha nenhuma informação escrita sobre os túmulos e foi impossível achar quaisquer vestígios de parentes mortos. Uma parte do cemitério era mais nova, com túmulos bem organizados, mas, à medida que nos distanciávamos, os túmulos iam ficando mais antigos, em piores graus de conservação, até chegarmos a túmulos totalmente tomados pela vegetação, e com lápides tombadas e ilegíveis.
Minha avó materna Frida Fainbaum nasceu em Seccuron, hoje Secureni, a 13 quilômetros de Yedenetz, ao norte da Moldova, junto à fronteira com a Ucrânia [nota: Secureni fica hoje do outro lado da fronteira, em território ucraniano]. Não conseguimos chegar lá, pois queria ainda visitar Orghei, onde meu bisavô Avrum Moshe Bitelman nasceu. Seguimos viagem e paramos para almoçar em Beltz, hoje Balti. Mas Beltz também, de shtetl não tem mais nada: tornou-se a segunda ou terceira maior cidade da Moldova, com muitos prédios altos e indústrias. Continuamos até Orghei (ou Orhei), fomos ao cemitério, fotografamos, mas não encontramos nenhum túmulo de parente conhecido. Chegamos tarde de volta a Kishinev.
De um pequeno projeto de fazer a árvore genealógica da minha família foi se desenvolvendo em mim o desejo de conhecer a terra de meu pai. Conhecer o passado de nossa família, os lugares onde meu pai brincava e trabalhava, de onde saiu devido à pobreza da época e acabou chegando ao Brasil que tão bem acolheu a ele e a todos nós, fechou um ciclo dentro de mim. Infelizmente, meu querido pai Michel Bitelman faleceu em 1995, aos 81 anos de idade, e não pôde me acompanhar nesta viagem. Teria sido a realização de um grande sonho visitar a Bessarábia, e em especial Kishinev, na companhia dele, ouvindo seus comentários e vivenciando a sua felicidade em rever a terra natal. Em 1975, quando ele visitou a Rússia, o clima político ainda não era favorável e não teve a oportunidade de ir até a Bessarábia. Mas hoje, em 2006, eu realizei seu sonho e tenho certeza de que ele estava lá comigo dentro do meu coração.
Um comentário:
Ola adoro seu blog! vc fala da kinha familia !!! fico muito feliz cokm isso!
Grato saul kaminsky Bernfeld
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