Seu guia brasileiro exclusivo na Europa Oriental

20.12.10

Pousada em Draguseni

Nossa pousada em Draguseni foi objeto de um belo artigo publicado no número 107, edição de novembro de 2010, da renomada revista romena de arquitetura Igloo, assinado por Reka Tugui Rozsnyai, com fotografias de Serban Bonciocat, que pode ser acessado aqui. Abaixo, segue a tradução do artigo originalmente em romeno:
 
A moradia rural era sinônimo, até há pouco tempo, de tradição, com o perpetuamento de certos modelos consagrados. Tais modelos, aceitos por comunidades inteiras, eternizaram-se de uma geração para a outra sem inovações significativas, adaptando-se apenas às condições particulares de cada família. Recentemente, entretanto, o ambiente rural da Romênia tem conhecido uma transformação cada vez mais acelerada, uma época em que os modelos do passado vêm perdendo terreno em favor de exemplos alheios e, na maior parte das vezes, agressivos e estridentes. A maior parte dos habitantes do meio rural hoje preferem materiais modernos, como por exemplo o concreto, blocos de concreto, PVC, inox ou vidro, existindo porém casos isolados que remetem ao passado, assim como aconteceu com o brasileiro Fernando Klabin, que construiu, em letra e espírito, uma casa tradicional no encantador vilarejo de Draguseni, na província de Suceava.
  
Tudo partiu do desejo de oferecer aos visitantes da Moldávia a mais autêntica atmosfera possível, e do fascínio que Fernando Klabin tem pelo folclore romeno. O lugar não foi escolhido por acaso: sua esposa, oriunda de Suceava, detinha um vasto lote de terra em Draguseni, que no passado pertencera a seus avós paternos. De posse do terreno, o casal Klabin decidiu construir ali uma casa, exatamente como outrora costumavam fazer todos os habitantes da região. Como modelo para a nova construção, foi escolhida uma residência das vizinhanças, de proporções harmoniosas e detalhes notáveis. Para o exterior, eles seguiram de perto as suas proporções e a sua estética e, no que toca ao interior, apelou-se à compartimentação clássica da casa tradicional. Assim, a habitação apresenta um longo aposento no meio, do qual se acessam diretamente os quartos situados em ambos os lados. Como o telhado da parte de trás da casa é inclinado, exatamente como era a praxe de outrora, na parte de dentro foi possível decorar outros dois quartos. A área do aposento central ficou aberta até o fundo, onde foi instalada uma pequena cozinha de apoio para os turistas. A única modificação imposta à repartição clássica do espaço foi o corredor de acesso aos banheiros, para que eles não comunicassem diretamente com a parte central da casa. Os banheiros são extremamente modernos, no intuito de oferecer aos turistas todo o conforto necessário. Ademais, tendo em vista que o banheiro tradicionalmente não fazia parte da habitação rural, esse espaço não tinha como ser organizado de maneira tradicional.

Não só a aparência da casa de Draguseni respeita a tradição, como também sua estrutura e seu material. Ela foi inteiramente construída com materiais e técnicas tradicionais, algo nada simples de realizar, pois, assim como afirma o proprietário, o processo “envolveu uma batalha prolongada com a mentalidade das pessoas”. Os habitantes locais não eram capazes de compreender por que alguém desejaria construir uma casa assim como faziam seus avós, justamente hoje em dia, com inúmeras alternativas à mão. Só depois de terem substituído umas três equipes, eles conseguiram concluir o projeto, com toda a estrutura de vigas de madeira dispostas em dois estratos e recheada com uma mistura de argila com palha. Outro material que criou problemas foi a telha de madeira para o telhado da casa. Após buscas prolongadas, eles conseguiram encontrar em Bogdanesti, um vilarejo das redondezas, uma viúva que ainda mantinha as telhas guardadas por seu marido há aproximadamente 20 anos. No que concerne ao sistema de aquecimento, a casa foi dotada com fornos tradicionais de lenha, construídos por um artesão do vilarejo de Radaseni, que, por sua vez, foi difícil de encontrar. Para a sua execução, os proprietários contaram com os conselhos de uma amiga do Museu do Vilarejo de Suceava, que lhes desenhou a forma e os nichos. Todos os elementos em madeira, inclusive a varanda, cujo desenho foi inspirado no da casa dos avós da Senhora Klabin, foram executados, num único inverno, por um artesão carpinteiro de Suceava.

A intenção do proprietário da casa era a de essencialmente criar um espaço especial apenas por meio do modo de construir, para em seguida populá-lo com diversos objetos destinados a evocar a História local. Cada objeto da casa tem sua própria história, todos tendo sido reunidos ao longo do tempo, seja junto a parentes ou amigos, seja adquiridos em diversas feiras. Eles são complementados, de maneira feliz, por alguns elementos de madeira resgatados da casa dos avós, elementos que decoravam outrora a varanda e as janelas da antiga casa, e que agora foram colocados do lado de dentro, por cima da porta de entrada e de algumas janelas. Cumpre lembrar o gesto do vizinho que, ao visitar pela primeira vez a casa camponesa do brasileiro, ofereceu ao casal Klabin alguma peças antigas de seu patrimônio. Assim, não surpreende o fato de que os moradores locais tenham se acostumado a chamar esse lugar de “museu”.

As mesmas pessoas que no início punham obstáculos ao processo de resgate da arquitetura camponesa empreendido pelo casal Klabin em Draguseni ficaram encantadas com o resultado ao verem a casa concluída, o que nos garante ainda existir esperança para a imagem do vilarejo tradicional romeno.

17.12.10

Vala comum perto de Iasi

Arqueólogos descobriram uma vala comum com corpos de judeus mortos por tropas romenas durante a Segunda Guerra Mundial, disse o Instituto Elie Wiesel.

Citando testemunhas, o instituto disse que mais de cem judeus - homens, mulheres e crianças - foram sepultados no local, numa floresta próxima à aldeia de Popricani, no nordeste romeno.

Uma das testemunhas viu os judeus sendo alvejados, porque os soldados acharam que ele próprio fosse judeu e pretendiam alvejá-lo também, disse a filial romena do Instituto Elie Wiesel em nota. Ele só foi poupado quando os soldados se convenceram de que era cristão ortodoxo.

Wiesel, ganhador do Nobel da Paz, liderou uma comissão internacional que declarou em 2004 que entre 280 mil e 380 mil judeus romenos e ucranianos foram mortos na Romênia e em áreas controladas pelo governo do país durante a Segunda Guerra Mundial. A Romênia foi aliada da Alemanha nazista no início do conflito.

Muitos foram mortos em pogroms como o de 1941, que vitimou quase 15 mil judeus na cidade de Iasi, perto da vala recém-descoberta. Outros morreram em campos de trabalho forçado ou trens da morte.

Os arqueólogos já encontraram 16 corpos, segundo os promotores que estão investigando o caso. Esse é o segundo local desse tipo descoberto desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1945, 311 corpos foram exumados de três valas comuns em Stanca Roznovanu, na mesma região.

A Romênia só recentemente começou a discutir o extermínio de judeus. Até 2003, o país não admitia que isso houvesse ocorrido.

Depois que a Romênia trocou de lado na guerra, em 1944, o regime comunista pouco fez para investigar as mortes, e os governos pós-1989 também mantiveram sigilo sobre o assunto.

A Romênia tinha 750 mil judeus antes da guerra. Hoje restam no máximo 10 mil.

Fonte: artigo Romênia acha vala comum com corpos de judeus mortos na II Guerra, publicado pelo G1 Portal de Notícias da Globo em 05/11/2010.

16.12.10

Delicatéssen romenas

Na edição no. 134 (dezembro de 2010) da revista Saveur acabou de ser publicado um artigo assinado por David Sax, com fotos de Landon Nordeman, sob o título Roots of Deli - no qual o autor, em Budapeste e Bucareste, sai em busca das origens autênticas de comida judaica de hoje.

Fernando também contribuiu para este trabalho, orientando e apoiando Sax e Nordeman através de sua jornada gastronômica pela Romênia. Bom apetite!

7.12.10

O imaginado e o real

O boletim no. 43 (outubro de 2010) do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro publicou o artigo, tema da capa daquela edição, intitulado Bessarábia - Havia o cenário imaginado, fomos à procura do cenário real, de autoria da psicanalista Tatiana Serebrenic, quem tive o prazer de guiar, juntamente com seu marido Jayme Serebrenic, em maio de 2010, pela Romênia e República Moldova.

Seu relato sincero, tanto objetivo como subjetivo, denota a inevitável complexidade na abordagem de uma realidade tão íntima do coração e tão distante no tempo e na geografia. A dicotomia entre os relatos de família com sua descrição de um passado pitoresco e a realidade atual - fruto de indizíveis crueldades históricas - acaba se revelando agridocemente enriquecedora para o observador perspicaz.

17.11.10

Komor e Dezsö

A mais agradável descoberta de Târgu Mures é o que me atreveria a chamar de versão magiar do Palau de la Música Catalana (1908): trata-se do Palácio da Cultura (Palatul Culturii, Kultúrpalota), edifício construído entre 1911 e 1913 - sob encomenda do prefeito György Bernády (1864-1938), que marcou indelevelmente a história da cidade com seu empreendedorismo.

O fabuloso Palácio foi concebido por dois dos maiores arquitetos húngaros da época: Marcell Komor (1868-1944) e Jakab Dezsö (1864-1932), discípulos do assim chamado Gaudí húngaro, o renomado arquiteto Ödön Lechner (1845-1914), um dos primeiros representantes da corrente Szecesszió que, embora claramente ligada à Art Nouveau e Jugendstil, em voga por toda a Europa, permitiu-se enriquecer-se, no então espaço geográfico da Hungria, com a inclusão de elementos folclóricos locais.

Outra interessante descoberta foi constatar que ambos os arquitetos - que conceberam também, sempre a mando de Bernády, o não menos fantástico Palácio da Prefeitura de Târgu Mures (1907), além de haverem assinado residências, sinagogas e diversos edifícios públicos que embelezam até hoje cidades como Budapeste, Viena, Oradea, Timisoara, Bratislava, Szeged e Суботица - nasceram no seio de famílias judaicas húngaras. Marcell Komor, filho do rabino Salamon Kohn (1828-1886), foi vítima do Holocausto.

Fotos: do autor.

16.11.10

Târgu Mures

Ao visitar a cidade transilvana de Târgu Mures (Marosvásárhely, Neumarkt), não pude deixar de admirar seu centro antigo, que ainda revela as belas marcas da corrente Art Nouveau - em voga, numa abordagem muito própria, entre os arquitetos húngaros do início do século XX - promovida nos anos imediatamente anteriores à I Guerra Mundial por seu prefeito visionário György Bernády.

Parte das importantes transformações urbanísticas que a cidade sofreu naquela época, e que haveriam de apagar sua feição ainda rural, constitui a Grande Sinagoga, por muitos considerada o mais belo templo israelita de toda a Transilvânia. Inaugurado em 1900, o edifício foi construído conforme os planos em estilo eclético do arquiteto vienense Jakob Gärtner (1861-1921).

Em 1944, sob o regime ditatorial húngaro que vigorou de 1940 até aquele ano na Transilvânia Setentrional, cerca de 7000 judeus da cidade - 15% da população - foram concentrados em guetos e em seguida deportados para a morte em Auschwitz. Ao todo, 150.000 judeus foram deportados de toda a Transilvânia Setentrional. Hoje em dia, na atual província de Mures, da qual Târgu Mures é a capital, os judeus não passam de 200.

Em 2003, as autoridades locais romenas inauguraram, numa praça central da cidade, um monumento em memória àquelas vítimas. A estátua, representando uma família abraçada, foi realizada por um dos sobreviventes da tragédia: Izsák Martin.

Fotos: do autor.

14.9.10

Mein shtetele Belz

A cidade de Bălţi (Bielce, Бельцы, Бэлць, Бєльці, בעלץ) aparece em documentos do século XV como um importante centro de comércio de cavalos: não é à toa que seu primeiro brasão exibia uma cabeça de cavalo. Aos poucos, a cidade se torna também um centro de artesãos - ferreiros, seleiros, segeiros, peleteiros. O Império Russo, que em 1812 incorpora a parte oriental da Moldávia, que passa a ser conhecida como Bessarábia, aumenta a autonomia administrativa da localidade que, uma vez ligada à rede ferroviária, se transforma num centro de coleta de cereais que são transportados para Odessa.

Devido ao desenvolvimento econômico gerado, juntam-se à população moldava numerosos russos, ucranianos e judeus. O número desses imigrantes continuou crescendo, especialmente depois da união da Bessarábia com a Romênia em 1918, por causa do afluxo de refugiados do outro lado do rio Dniester que fugiam da coletivização soviética, do Holodomor (1932-33) ou da polícia secreta do partido comunista soviético (NKVD).

Durante a II Grande Guerra, a cidade foi gravemente destruída e sofreu importantes deportações. Primeiro (1940-41), os soviéticos deportaram para o Cazaquistão e Sibéria padres e funcionários públicos moldavos que trabalhavam para o Estado romeno; em seguida (1941-44), romenos e alemães deportaram judeus - que constituíam pelo menos metade da população local e que foram confinados a um gueto - e cidadãos suspeitos de apoiarem o sistema soviético. As deportações soviéticas foram retomadas entre 1945 e 1954.

Durante o regime comunista, a cidade se transformou no mais importante centro industrial do norte da Moldávia, com uma população quase toda transplantada, formada por russos, ucranianos e camponeses moldavos.

Bălţi, que no passado foi melancolicamente evocada na famosa canção iídiche Mein shtetele Belz, de 1928, é hoje em dia a "capital setentrional" da República Moldova, sendo a segunda mais importante cidade do país e contando com uma população de quase 150 mil pessoas, das quais cerca de 400 formam a comunidade judaica local, atualmente liderada pelo Sr. Lev Bonder.

Foto (do autor): Jaime Serebrenic (SP) diante da única sinagoga restante em Bălţi, maio de 2010.

5.8.10

Gueto de Varsóvia

Minhas andanças pela capital polonesa no início de julho acabaram me levando à área em que se estendia o gueto. Numa grande praça junto à rua Zamenhof, circundada por blocos comunistas erguidos sobre os destroços amontoados das antigas casas dos judeus, vê-se o colossal monumento dedicado aos heróis do Gueto de Varsóvia, concebido pelo escultor Nathan Rappaport e inaugurado na década de 1980 pelas autoridades comunistas.

Na primavera de 1943, a insurreição do Gueto de Varsóvia foi brutalmente sufocada pelo exército nazista, que trucidou mais de 13 mil judeus durante a exitosa operação de aniquilamento dessa parte da cidade. A maioria dos 50 mil judeus restantes foram capturados e despachados para o inimaginável campo de extermínio de Treblinka.

Há quem diga que, por ironia, o material utilizado pelo escultor tenha sido previamente encomendado pelos nazistas, no intuito de construírem um monumento em homenagem à (malfadada) vitória alemã.

A poucos metros do trágico memorial, atrás de tapumes, vê-se a construção em andamento do ambicioso Museu da História dos Judeus Poloneses, que deverá abrir suas portas ao público em 2012.

Na praça que abriga o colosso de Rappaport, salpicada por pequenos monumentos em mármore negro que se estendem pelas ruas adjacentes e que comemoram, em polonês e hebraico, diferentes personalidades, lugares e momentos dessa história macabra, idosos gorduchos e bem-dispostos sentavam-se sossegados nos bancos sob o sol do fim-de-semana, enquanto moradores do bairro passeavam satisfeitos seus cachorros por cima dos escombros enterrados, por entre fantasmas cujos gritos lancinantes guiavam meus passos.

Fotos: do autor.

3.8.10

Dossiê Judeus

A edição número 58, de julho de 2010, da Revista de História da Biblioteca Nacional publicou um interessante "Dossiê Judeus no Brasil", constituído por artigos de diversos especialistas que versam sobre a rápida integração dos cristãos-novos vindos de Portugal no século XVI; os judeus expulsos do Recife, que acabaram fundando uma nova comunidade em Nova York; a restrita liberdade dos judeus e a manutenção de suas tradições durante o Império; e sobre o controle da entrada de estrangeiros no Brasil do Estado Novo, que classificava os judeus como imigrantes indesejáveis.

26.7.10

Salve a comida judaica

Nesse fim-de-semana tive o prazer de guiar por Bucareste e arredores o jornalista canadense David Sax (autor de Save the Deli, do lado esquerdo) e o fotógrafo estadunidense Landon Nordeman (à direita), que vieram registrar o patrimônio gastronômico da Romênia judaica.

Além de termos visitado locais ligados à herança judaica na capital romena, fomos a restaurantes e mercados populares, sempre atrás de fenômenos culinários tradicionais romenos que acabaram dando origem a hábitos alimentares profundamente enraizados no seio de comunidades judaicas formadas por emigrantes, sobretudo na América do Norte e do Sul.

O grande protagonista dessa viagem gastronômica foi o pastrami, iguaria romena levada pelos judeus romenos para o outro lado do Atlântico e transformada em delikatessen em renomados restaurantes de Nova York.

O ponto alto foi o banquete judaico-romeno que organizamos para nossos hóspedes na Fernando's Hideaway de Fierbinti, a 40km de Bucareste, sob a direção de Silvia Weiss, que oferece serviços de catering sob o nome de Silvita's Kitchen.

Foto: do autor.

23.7.10

Umschlagplatz

Minha família não tem raízes na Polônia, mas isso é irrelevante ao tocar o chão de Varsóvia. Sinto por debaixo dos pés como aquela terra fervilha, reproduzindo ainda, como um eco abafado, todos os passos e tombos daqueles que ali foram vítimas e instrumentos do horror, tão enigmático quanto inaceitável, da guerra.

Por um instante me pergunto para que recordar esse passado que não vivi e que não tem ligação direta comigo, se não seria melhor concentrar energia na direção de um futuro em que tais monstruosidades não venham mais a acontecer, mas a pergunta se esfarela e eu continuo caminhando estupefato pela área do antigo gueto [cujos limites encontram-se hoje marcados na calçada, conforme a foto], sem compreender o que procuro, convencido de jamais poder compreender a profundidade do sofrimento e a amplitude da carnificina que os monumentos evocam .

Um desses monumentos marca o lugar da Umschlagplatz, onde, sobretudo ao longo do verão de 1942, os nazistas reuniram cerca de 300 mil judeus poloneses e os deportaram de trem diretamente para as câmaras de morte de Treblinka.

Erguido em 1988, o monumento em mármore, cujo formato retangular sugere um vagão de carga, tem uma parede comprida em que estão inscritos vários prenomes judeus, de A a Z. No meio dela, uma fenda, larga o bastante para chamar a atenção, mas estreita o suficiente para não permitir a passagem de ninguém. Olho por ela, com a prudência medrosa de quem espreita o inferno, e o que se vê é uma árvore frondosa plantada exatamente na sua direção - árvore refresco inesperado de uma esperança muito difícil.

Fotos: do autor.

20.7.10

Os fantasmas de Varsóvia

Caminhar por Varsóvia é um estranho exercício. Não posso deixar de imaginar estar caminhando por cima de escombros, evocando a destruição provocada pelo exército alemão em 1944 após sufocar o Levante de Varsóvia. A mando do Führer, o impiedoso Verbrennungs- und Vernichtungskommando reduziu quase a cidade toda a ruínas.

Hoje, o pitoresco centro velho de Varsóvia é uma formidável reconstrução feita pelo Governo Comunista Polonês nos anos 50 do século passado, baseada sobretudo nas pinturas do veneziano Bernardo Bellotto, pintor da corte polonesa desde 1764, que a retratou mais em nome da estética do que da fidelidade urbanística.

Mesmo se quisesse me esquivar dos fantasmas da cidade, a cada esquina eles me interpelam com um monumento ou uma placa comemorativa, que remete o visitante ao cruel passado recente da II Guerra: a invasão alemã, os limites do gueto de 1940, o Levante do Gueto em 1943, o Levante de Varsóvia em 1944, a posterior destruição nazista e a invasão soviética.

A cidade, entretanto, fervilha viçosa ao som de Chopin, cujo bicentenário de nascimento é comemorado este ano, como se nada daquilo houvesse acontecido. O granito e o bronze dos monumentos registram silentes a memória torturante do passado. A cidade inteira, com toda a vida que nela circula, constitui um símbolo irrefutável da força de vontade do povo polonês. Caminhando porém por suas ruas e desviando das longas filas para comprar sorvete, alterno-me entre louvar esse orgulho e desabar aos prantos, pois sei que me movo no espaço de um antigo matadouro.

Fotos: do autor.

9.7.10

Varsóvia: cemitério israelita

No início de julho, tive a oportunidade de visitar o cemitério judaico da rua Okopowa, em Varsóvia. Conforme informações disponíveis no próprio cemitério, foi no fim do século XIV que os judeus começaram a vir para a cidade. Proibidos de ali morar entre 1527 e 1795, começaram em meados do século XVIII a se estabelecer em grande número na periferia da capital polonesa. A comunidade judaica local estabeleceu seu próprio cemitério em 1806. Até 1939, 150 mil sepultamentos haviam sido realizados nesse cemitério, que cobre uma área de 33,4 hectares.

Em consonância com a torturante história dessa cidade, o cemitério tem, além de numerosos monumentos dedicados às vítimas do Holocausto, uma imensa sepultura coletiva com os que pereceram no gueto de Varsóvia e uma zona repleta de túmulos simbólicos erguidos por parentes de vítimas jamais localizadas do Holocausto.

Uma das mais célebres personalidades ali sepultadas é Lazar Ludwik Zamenhof (1859-1917) - seu túmulo foi o primeiro a chamar-me a atenção com seu imponente mosaico representando a estrela verde, símbolo do Esperanto [ao lado]. O cemitério ainda atende a diminuta comunidade judaica local.

Fotos: do autor.

5.7.10

São Petersburgo

No fim de junho tive a oportunidade de visitar a sinagoga de São Petersburgo, construída em estilo mourisco e neo-bizantino entre 1880 e 1888, após permissão especial do tzar Alexandre II, o primeiro a permitir que os judeus se estabelecessem oficialmente na cidade. Em reformas desde o ano 2000 graças à doação de US$ 5 milhões por parte da família Safra, há cinco anos ela foi reaberta ao público sob o nome de Grande Sinagoga Coral Edmond J. Safra.

Tive a ocasião de visitar também, no cemitério Tikhvin, ao lado do Mosteiro de Alexandre Nevski, o túmulo de Anton Rubinstein (1829-1894) - pianista, compositor, regente e fundador do Conservatório de São Petersburgo. Na excelente companhia de Tchaikovsky, Mussorgsky, Rimsky-Korsakoff, Glinka, Borodin e Balakirev, seu túmulo estava coberto por seixos deixados por visitantes que sabem de sua origem judaica.

Rubinstein nasceu num vilarejo do distrito russo da Podólia, hoje parte da Transnístria, república separatista da República Moldova. Antes que completasse 5 anos, seu avô paterno ordenou que todos os membros da família se convertessem ao cristianismo ortodoxo. Educado numa família que falava iídiche, alemão e russo, o converso Anton escreveria mais tarde em seu diário: Os russos me chamam de alemão, os alemães me chamam de russo, os judeus me chamam de cristão e os cristãos me chamam de judeu. Os pianistas me consideram compositor, e os compositores me consideram pianista. Os classicistas acham que sou futurista, ao passo que os futuristas vêem em mim um reacionário. Concluindo, não sou isso nem aquilo - não passo de um indivíduo digno de pena.

Fotos: do autor.

9.6.10

Serebrenic e Bitelman

No fim do mês de maio, guiei o casal Tatiana e Jaime Serebrenic de São Paulo numa viagem rumo às suas raízes bessarábias. Após termos visitado Bucareste e conhecido um pouco da Bucovina meridional, com seus impressionantes mosteiros centenários que foram declarados pela UNESCO patrimônio da humanidade, cruzamos a fronteira romena perto de Iasi rumo a Chisinau.

Na capital da República Moldova, além de ter podido visitar com seu marido uma sinagoga Chabad e conhecido antigos prédios que pertenciam à numerosa comunidade israelita, Tatiana pôde localizar, no cemitério judaico local, túmulos de diversos parentes, sobretudo o do tio de seu pai, Michel Bitelman (foto).

Em seguida, adentramos pela Bessarábia setentrional, visitando Orhei, Balti, Edinet e Briceni. O pai de Jaime partiu em 1930 de Edinet para o Brasil, e visitar a cidade de suas origens era um antigo sonho que, conforme a fotografia ao lado, pode-se comprovar que se realizou.

Fotos: do autor.

8.6.10

Visita a Edinet

Em visita a Edinet, no norte da Bessarábia, em maio deste ano, enquanto guiava a família Serebrenic de São Paulo, tive a ocasião de fotografar a casa de um dos quatro judeus bêbados da cidade, hoje em ruínas, conforme indicou-me o Senhor Leon Akkerman, um dos raros judeus que lá restaram:

E, abaixo, casa que no passado constituiu uma das inúmeras sinagogas dessa cidade que, de acordo com o censo de 1930, de um total de quase 6 mil habitantes, contava com uma população de cerca de 5.300 judeus:

Do outro lado da rua, encontra-se a casa da família Akkerman, de arquitetura típica da região e que, como inúmeras outras, abrigava tradicionais famílias judias quase completamente dizimadas a partir de julho de 1941, quando as forças conjuntas alemã e romena rechaçaram os soviéticos e tomaram a cidade:

Fotos: do autor.

17.2.10

Rosenzweig de Czernowitz

Transcrevo, abaixo, fragmentos do testemunho de Lili Alexandra Rosenzweig Angel, nascida em 1921, filha de Victor Rosenzweig e Neta Gottesman, conforme colhido em 1996 pelo Arquivo Virtual Arqshoah de Holocausto e Antissemitismo.

Nasci em Czernowitz, na Bucovina, Romênia e, como havia pertencido à Áustria, minha língua materna foi o alemão. Quando tinha dois anos de idade, meus pais se separaram, de modo que passei a infância ora na casa de um, ora na casa de outro. Ambos casaram-se novamente e meu padrasto, Dr. Herzkischifter – advogado , falava russo e, apesar de ser muito severo, cuidou com esmero de minha educação. Minha família não era religiosa. Eu tinha uma grande inclinação para a música e, aos dez anos, comecei a estudar piano e, mais tarde, canto. Por um período, meu pai, que era empresário de artistas de teatro, me deu a oportunidade de assistir a grandes espetáculos.

Ao terminar o curso médio, comecei a fazer tricô com minha mãe, para uma fábrica, ajudando nas despesas da casa, até surgir a oportunidade de trabalhar como secretária numa lotérica, depois de ter passado num concurso público.

Com a guerra entre Alemanha e Rússia, em 1940, nossa vida mudou completamente. Tivemos que dividir nosso apartamento com um casal de russos que, embora fossem boas pessoas, eram bastante rudes. Passei a ser secretária do Governador da Bucovina, tendo necessidade de aprender russo, que me foi ensinado intensivamente pelo meu padrasto.

Depois da retirada das tropas russas, vendi um rádio que ganhara de um casal russo. Isso nos proporcionou alimentos durante três meses.

Com a volta dos romenos, aliados dos alemães e bastante antissemitas, começou a caça aos judeus. Formaram-se guetos e depois levaram todos os judeus para os campos de concentração e de extermínio. Muitos pensavam que, tomando os primeiros trens, conseguiriam as melhores acomodações nos campos.

Estava para embarcar num vagão, juntamente com meus familiares, quando um coronel veio ao meu encontro, perguntando se tinha pressa em viajar. Respondi que preferia ficar. Foi quando aconteceu um milagre: ele chamou um soldado e mandou que nos levasse de volta ao gueto.

Em 1943. um casal de amigos de origem judaica convidou-me para ir com eles a Bucareste. A viagem, que naquela época duraria 24 horas, levou dez dias, com muitos problemas. Mais tarde meus pais também vieram e pudemos nos reunir novamente. Em Bucareste, a vida era melhor e passei a freqüentar concertos e óperas. Consegui trabalhar em uma elegante loja de modas, mudando radicalmente minha vida.

Com o término da guerra soubemos, de uma testemunha ocular, que meu pai e sua esposa foram executados num campo de concentração. Descobrimos também, através da Cruz Vermelha, parentes que já viviam na Argentina desde 1938. Eles conseguiram vistos de entrada para nós, porém não pudemos viajar. Somente em 1948 fomos para a Itália, onde ficamos por sete meses e de onde embarcamos para Buenos Aires.

Aprendi o espanhol com meu padrasto. Por falta de acomodações, me separei de meus pais; eles ficaram na casa de um irmão de minha mãe e eu na casa de uns tios muito bem situados. Estes conseguiram um emprego para mim em uma casa de venda de discos, onde me saí bastante bem.

Em 1952, meu tio presenteou-me com uma viagem de navio para a Europa. Essa viagem foi muito importante, pois, no navio, conheci meu futuro marido: Marcos Angel, judeu sefaradi de Cavala, Grécia, dono de uma fábrica de camisas em Buenos Aires.

Em 1963, quando a situação na Argentina começou a piorar, viemos para São Paulo, onde meu marido tinha um irmão.

Herscovici de Briceva

Transcrevo, abaixo, fragmentos do testemunho de Betty Herscovici, nascida em 1932, filha de Favel Herscovici e Mania Guelman, conforme colhido em 2008 pelo Arquivo Virtual Arqshoah de Holocausto e Antissemitismo.

Nasci em Briceva, na então Bessarábia, parte da Romênia desde a Primeira Guerra Mundial. A cidade era praticamente composta por judeus.

Levava uma vida normal, freqüentava a escola hebraica e recebia o ensino primário romeno. Uma vez, houve um pogrom dos camponeses da região. Possuíamos uma loja têxtil e éramos considerados burgueses. Temíamos ser mandados para a Sibéria. Por isso, fugimos quando os russos entraram na Bessarábia, em 1940. Ficamos um ano fora. Com a invasão alemã em 1941, minha mãe e minha irmã arrumaram uma carroça para fugirmos, eu tinha 11 anos e minha irmã Rosa, 17. Mandaram os judeus saírem da Romênia. Saímos de casa escoltados pelos gendarmes. Caminhamos cerca de seis meses. Andávamos a esmo pelas plantações de milho. Eles matavam quem não andava. Na época da colheita da batata, comíamos as batatinhas que sobravam no solo. Havia também um mingau composto de água e farinha, parecido com polenta.

Conforme um pacto entre alemães e romenos, os judeus da Bucovina e da Bessarábia deveriam ser entregues aos nazistas, para preservar os judeus da própria Romênia. Caminhávamos em direção à Ucrânia, na região do rio Dniester. Ao chegar lá, nos juntaram a centenas de pessoas que já estavam lá. Andamos até o rio Bug, e fomos deixados na Transnístria. Já era inverno e muitas pessoas morriam de inanição todos os dias; minha tia Esther morreu de tifo, teve uma febre alta e se foi. Lembro que eu ficava em um espaço pequeno no chão frio, perto da parede e, quando ela morreu, os piolhos deixaram o corpo dela, pois o sangue pára, fica frio - e passaram a subir na parede, formando uma mancha preta. Todos tínhamos piolhos, pois não havia como tomar banho.

A Transnístria era terrível. As pessoas eram deixadas ao léu, para morrer de fome. Lá encontramos um grande número de judeus de Briceva, também. Às vezes eu saía para pedir esmola aos camponeses, e minha mãe pedia comida a eles também. Ela dizia que sobreviveríamos se chegássemos até Pessach, quando seria mais quente. Nesse meio tempo, meu pai morreu de inanição; os corpos se acumulavam para serem enterrados em uma vala comum. Logo, minha irmã, que estava com a perna congelada, também morreu.

Uma noite, dormíamos em um dos galpões, quando levaram a minha mãe. Pude ouvir os seus gritos – depois entendi que ela havia sido violentada. Infelizmente, um pouco depois de Rosa morrer, minha mãe também morreu. Fiquei sozinha. Uma mulher me pegou para pedir esmolas, eu andava cerca de 3km, na lama e na neve, e às vezes conseguia algo para comer... uma batata, uma beterraba...

Eu então fui para Obodovka, cidade de judeus, onde fui acolhida na casa de Rosa Berenstein, muito importante na minha história. Nessa época, fiquei doente, tive sarna e disenteria, que foi curada com uma dieta à base de batata. A família de Rosa tinha contato com a Joint e estavam recolhendo os órfãos para emigrarem para Israel via Romênia. Fui então para Balta, mas os navios haviam sido afundados, então voltei para a casa de Rosa a pé. Nessa jornada, meu pé ficou ferido. Fiquei com Rosa Spielberg - parente de Steven Spielberg, que filmou meu relato para a Fundação Shoah - que me ajudou. Voltei para a casa de Rosa Berenstein e em seguida tentaram me levar para Balta outra vez. Com a saída dos alemães, fui para Briceva, minha cidade natal, a pé. Lá encontrei a cidade destruída e minha casa ocupada por romenos. Fui para Secureni, onde Rosa trabalhava com cereais. Nesses dois anos, fiz o ginásio em uma escola russa. Tudo isso ocorreu entre 1941 e 1944; tentei vir para o Brasil, pois tinha tios morando aqui, mas não consegui receber o visto.

Fui para Israel, pois o marido de Rosa Berenstein tinha um irmão lá. Tinha que ir para Bucareste, depois para Istambul; quando cheguei lá, não havia lugar para embarcar. Por sorte, fui confundida com uma outra moça. Foi com o nome dela que viajei até Haifa. Lá, os ingleses não nos deixaram descer; jogaram gás no deck do navio, fazendo com que desistíssemos. Assim, fiquei 3 meses em Chipre, morávamos em bangalôs do exército. Engordei um pouco e depois fui finalmente para Israel, onde conheci meu futuro marido. Casamo-nos em um kibutz e em novembro de 1947 fomos para Tel Aviv. Ficamos seis anos em Israel, até decidirmos emigrar para o Brasil, pois queríamos viver em melhores condições. Rosa nos mandou uma passagem para o Brasil, e conseguimos o visto. Assim, em 25 de janeiro de 1954, chegamos ao porto de Santos com visto de imigrante.