Seu guia brasileiro exclusivo na Europa Oriental

26.7.10

Salve a comida judaica

Nesse fim-de-semana tive o prazer de guiar por Bucareste e arredores o jornalista canadense David Sax (autor de Save the Deli, do lado esquerdo) e o fotógrafo estadunidense Landon Nordeman (à direita), que vieram registrar o patrimônio gastronômico da Romênia judaica.

Além de termos visitado locais ligados à herança judaica na capital romena, fomos a restaurantes e mercados populares, sempre atrás de fenômenos culinários tradicionais romenos que acabaram dando origem a hábitos alimentares profundamente enraizados no seio de comunidades judaicas formadas por emigrantes, sobretudo na América do Norte e do Sul.

O grande protagonista dessa viagem gastronômica foi o pastrami, iguaria romena levada pelos judeus romenos para o outro lado do Atlântico e transformada em delikatessen em renomados restaurantes de Nova York.

O ponto alto foi o banquete judaico-romeno que organizamos para nossos hóspedes na Fernando's Hideaway de Fierbinti, a 40km de Bucareste, sob a direção de Silvia Weiss, que oferece serviços de catering sob o nome de Silvita's Kitchen.

Foto: do autor.

23.7.10

Umschlagplatz

Minha família não tem raízes na Polônia, mas isso é irrelevante ao tocar o chão de Varsóvia. Sinto por debaixo dos pés como aquela terra fervilha, reproduzindo ainda, como um eco abafado, todos os passos e tombos daqueles que ali foram vítimas e instrumentos do horror, tão enigmático quanto inaceitável, da guerra.

Por um instante me pergunto para que recordar esse passado que não vivi e que não tem ligação direta comigo, se não seria melhor concentrar energia na direção de um futuro em que tais monstruosidades não venham mais a acontecer, mas a pergunta se esfarela e eu continuo caminhando estupefato pela área do antigo gueto [cujos limites encontram-se hoje marcados na calçada, conforme a foto], sem compreender o que procuro, convencido de jamais poder compreender a profundidade do sofrimento e a amplitude da carnificina que os monumentos evocam .

Um desses monumentos marca o lugar da Umschlagplatz, onde, sobretudo ao longo do verão de 1942, os nazistas reuniram cerca de 300 mil judeus poloneses e os deportaram de trem diretamente para as câmaras de morte de Treblinka.

Erguido em 1988, o monumento em mármore, cujo formato retangular sugere um vagão de carga, tem uma parede comprida em que estão inscritos vários prenomes judeus, de A a Z. No meio dela, uma fenda, larga o bastante para chamar a atenção, mas estreita o suficiente para não permitir a passagem de ninguém. Olho por ela, com a prudência medrosa de quem espreita o inferno, e o que se vê é uma árvore frondosa plantada exatamente na sua direção - árvore refresco inesperado de uma esperança muito difícil.

Fotos: do autor.

20.7.10

Os fantasmas de Varsóvia

Caminhar por Varsóvia é um estranho exercício. Não posso deixar de imaginar estar caminhando por cima de escombros, evocando a destruição provocada pelo exército alemão em 1944 após sufocar o Levante de Varsóvia. A mando do Führer, o impiedoso Verbrennungs- und Vernichtungskommando reduziu quase a cidade toda a ruínas.

Hoje, o pitoresco centro velho de Varsóvia é uma formidável reconstrução feita pelo Governo Comunista Polonês nos anos 50 do século passado, baseada sobretudo nas pinturas do veneziano Bernardo Bellotto, pintor da corte polonesa desde 1764, que a retratou mais em nome da estética do que da fidelidade urbanística.

Mesmo se quisesse me esquivar dos fantasmas da cidade, a cada esquina eles me interpelam com um monumento ou uma placa comemorativa, que remete o visitante ao cruel passado recente da II Guerra: a invasão alemã, os limites do gueto de 1940, o Levante do Gueto em 1943, o Levante de Varsóvia em 1944, a posterior destruição nazista e a invasão soviética.

A cidade, entretanto, fervilha viçosa ao som de Chopin, cujo bicentenário de nascimento é comemorado este ano, como se nada daquilo houvesse acontecido. O granito e o bronze dos monumentos registram silentes a memória torturante do passado. A cidade inteira, com toda a vida que nela circula, constitui um símbolo irrefutável da força de vontade do povo polonês. Caminhando porém por suas ruas e desviando das longas filas para comprar sorvete, alterno-me entre louvar esse orgulho e desabar aos prantos, pois sei que me movo no espaço de um antigo matadouro.

Fotos: do autor.

9.7.10

Varsóvia: cemitério israelita

No início de julho, tive a oportunidade de visitar o cemitério judaico da rua Okopowa, em Varsóvia. Conforme informações disponíveis no próprio cemitério, foi no fim do século XIV que os judeus começaram a vir para a cidade. Proibidos de ali morar entre 1527 e 1795, começaram em meados do século XVIII a se estabelecer em grande número na periferia da capital polonesa. A comunidade judaica local estabeleceu seu próprio cemitério em 1806. Até 1939, 150 mil sepultamentos haviam sido realizados nesse cemitério, que cobre uma área de 33,4 hectares.

Em consonância com a torturante história dessa cidade, o cemitério tem, além de numerosos monumentos dedicados às vítimas do Holocausto, uma imensa sepultura coletiva com os que pereceram no gueto de Varsóvia e uma zona repleta de túmulos simbólicos erguidos por parentes de vítimas jamais localizadas do Holocausto.

Uma das mais célebres personalidades ali sepultadas é Lazar Ludwik Zamenhof (1859-1917) - seu túmulo foi o primeiro a chamar-me a atenção com seu imponente mosaico representando a estrela verde, símbolo do Esperanto [ao lado]. O cemitério ainda atende a diminuta comunidade judaica local.

Fotos: do autor.

5.7.10

São Petersburgo

No fim de junho tive a oportunidade de visitar a sinagoga de São Petersburgo, construída em estilo mourisco e neo-bizantino entre 1880 e 1888, após permissão especial do tzar Alexandre II, o primeiro a permitir que os judeus se estabelecessem oficialmente na cidade. Em reformas desde o ano 2000 graças à doação de US$ 5 milhões por parte da família Safra, há cinco anos ela foi reaberta ao público sob o nome de Grande Sinagoga Coral Edmond J. Safra.

Tive a ocasião de visitar também, no cemitério Tikhvin, ao lado do Mosteiro de Alexandre Nevski, o túmulo de Anton Rubinstein (1829-1894) - pianista, compositor, regente e fundador do Conservatório de São Petersburgo. Na excelente companhia de Tchaikovsky, Mussorgsky, Rimsky-Korsakoff, Glinka, Borodin e Balakirev, seu túmulo estava coberto por seixos deixados por visitantes que sabem de sua origem judaica.

Rubinstein nasceu num vilarejo do distrito russo da Podólia, hoje parte da Transnístria, república separatista da República Moldova. Antes que completasse 5 anos, seu avô paterno ordenou que todos os membros da família se convertessem ao cristianismo ortodoxo. Educado numa família que falava iídiche, alemão e russo, o converso Anton escreveria mais tarde em seu diário: Os russos me chamam de alemão, os alemães me chamam de russo, os judeus me chamam de cristão e os cristãos me chamam de judeu. Os pianistas me consideram compositor, e os compositores me consideram pianista. Os classicistas acham que sou futurista, ao passo que os futuristas vêem em mim um reacionário. Concluindo, não sou isso nem aquilo - não passo de um indivíduo digno de pena.

Fotos: do autor.