Seu guia brasileiro exclusivo na Europa Oriental

26.9.08

A Bessarábia é aqui

Reproduzo, abaixo, com o gentil acordo do autor, o artigo A Bessarábia é aqui, escrito pelo jornalista e consultor de empresas de comunicação Eduardo Tessler, de Porto Alegre, e publicado em 13 de agosto de 2008 no Terra Magazine:

Samuel Vainer, grande jornalista e dono do jornal A Última Hora, morreu jurando ter nascido no Brasil. No bairro do Bom Retiro, em São Paulo, mais precisamente. Nem em seu livro de memórias ele admitiu ter chegado ao Brasil no colo de sua mãe, quando já tinha dois anos.

Vainer era um gênio. Sabia que admitir o fato de não ter nascido no Brasil era nitroglicerina pura para seus adversários. Carlos Lacerda, o Corvo, tentou de todos os modos comprovar seu local de nascimento, para - amparado em uma esdrúxula lei - retirar a licença para a Última Hora funcionar. Samuel Vainer fez história ao entrevistar Getúlio Vargas em seu exílio voluntário, na Fazenda do Itú, em São Borja (RS). A confissão de Vargas foi o estopim para sua eleição na mais surpreendente campanha política que o Brasil já viveu, em 1950.

Meu avô José Tessler foi um selfmade-man de sucesso. Começou vendendo tecidos de porta em porta em Uruguaiana (RS). Depois evoluiu e comprou uma bicicleta. Os bons ventos o fizeram progredir até adquirir uma moto. O salto para uma pequena loja foi rápido. O velho José se aposentou como dono de um importante comércio em Uruguaiana "com cinco vitrines", orgulhava-se, e de uma fábrica de móveis.

José Tessler era judeu como Samuel Vainer. Nasceu na Bessarábia como Vainer. E morreu jurando ter nascido no Brasil, exatamente como o jornalista.

Ser imigrante no início do século passado, em um Brasil em crescimento, não era fácil. Havia barreiras de idioma, de cultura, de hábitos, de gastronomia. A Bessarábia é a região entre Ucrânia e Moldávia, onde o frio castiga de seis a oito meses por ano a terra e a temperatura chega a 30 graus negativos. O Brasil é tropical. O mais curioso nessa história é entender os motivos que fizeram Samuel e José mentirem uma vida inteira. Se Vainer falava em ter nascido no Bom Retiro, Tessler não titubeava e até mostrava a casa onde supostamente nascera em Porto Alegre. A certidão de nascimento atestava sua versão, mesmo tendo sido feita quando ele já tinha cinco anos de idade. O sentimento patriótico aparece nas pessoas quando elas menos esperam. Brasileiros que jamais tomaram caipirinha em seu país disputam garrafas de cachaça na Europa, como se fosse uísque 12 anos. Ser brasileiro é o que vale.

Nos Jogos Olímpicos de Pequim a graça é ser brasileiro. Quando o judoca Tiago Camilo subiu ao pódio para receber sua medalha de bronze, não havia nenhum sinal de bandeiras da Alemanha ou da Coréia do Sul (ouro e prata) na platéia. Mas o verde-amarelo estava por todas as partes. É o orgulho brasileiro, que Samuel e José também tinham, mesmo nascidos na Bessarábia.

O poeta Mário Quintana dizia que a mentira era uma verdade que tinha esquecido de acontecer. No caso de Samuel e de José, a ordem cronológica impedia de acontecer. Não bastava a vontade. Mas por acaso Samuel e José eram menos brasileiros que qualquer cidadão nascido na terra brasilis? Certamente não. A Bessarábia é aqui. Há brasileiros defendendo a Geórgia em Pequim. Outros jogaram por Tunísia, Croácia, Alemanha, Turquia e Portugal em recentes torneios. As fronteiras estão cada vez mais tênues. A identidade cultural superou a etnia. A Bessarábia é o Bom Retiro e é Uruguaiana.

1.9.08

Pescador romeno de pérolas brasileiras

Leon Barg, filho de judeus romenos, nasceu no Recife e mora em Curitiba (onde conheceu Eva, com quem viria a se casar três anos depois) desde 1954. Ainda na capital pernambucana, aos 14 anos, comprou seu primeiro disco, com, em suas próprias palavras, “o primeiro cruzeiro que ganhei”. O disco era de Francisco Alves, mas Leon não tinha gramofone e o ouvia na casa de amigos. Em 1987 ele criou o selo Revivendo Músicas, que tem se dedicado a lançar em CD gravações da música brasileira da primeira metade do século XX, com destaque para as décadas de 30 e 40, os chamados “anos dourados” da nossa música popular. Hoje a coleção conta com 33 mil discos (66 mil títulos, já que os antigos 78 rpm tinham uma faixa de cada lado), é a base dos lançamentos do selo, e que está espalhada por vários cômodos e até um dos banheiros da sede da Revivendo. De cada disco, feitos à época de material quebradiço e cujas cópias apresentam por vezes defeitos, ele procura ter dois ou três exemplares, dizendo que “quem tem um, não tem nenhum”. Leon e sua equipe (Fabrício e Giovana) fazem os discos passar por um sistema de “limpeza” do som, a fim de recuperá-los e remasterizá-los para serem lançados em CD.

Por ajudar na compreensão da essência da nossa identidade cultural por meio da memória da canção popular é que o trabalho de Leon Barg e da Revivendo tem importância fundamental. Importância que cresce quando se leva em conta que a manutenção e a divulgação desse acervo vêm sendo feitas sem qualquer tipo de ajuda oficial, graças principalmente ao arrojo de um único indivíduo, que conta com suas duas filhas e seis funcionários, além de pequenas colaborações de amigos que Leon tem feito ao longo de suas andanças por um país que ele ajuda, com seu trabalho, a redescobrir.

Fonte: artigo O Pescador de Pérolas, publicado pela Carta Capital