Transcrevo, abaixo, fragmentos do testemunho de Betty Herscovici, nascida em 1932, filha de Favel Herscovici e Mania Guelman, conforme colhido em 2008 pelo Arquivo Virtual Arqshoah de Holocausto e Antissemitismo.
Nasci em Briceva, na então Bessarábia, parte da Romênia desde a Primeira Guerra Mundial. A cidade era praticamente composta por judeus.
Levava uma vida normal, freqüentava a escola hebraica e recebia o ensino primário romeno. Uma vez, houve um pogrom dos camponeses da região. Possuíamos uma loja têxtil e éramos considerados burgueses. Temíamos ser mandados para a Sibéria. Por isso, fugimos quando os russos entraram na Bessarábia, em 1940. Ficamos um ano fora. Com a invasão alemã em 1941, minha mãe e minha irmã arrumaram uma carroça para fugirmos, eu tinha 11 anos e minha irmã Rosa, 17. Mandaram os judeus saírem da Romênia. Saímos de casa escoltados pelos gendarmes. Caminhamos cerca de seis meses. Andávamos a esmo pelas plantações de milho. Eles matavam quem não andava. Na época da colheita da batata, comíamos as batatinhas que sobravam no solo. Havia também um mingau composto de água e farinha, parecido com polenta.
Conforme um pacto entre alemães e romenos, os judeus da Bucovina e da Bessarábia deveriam ser entregues aos nazistas, para preservar os judeus da própria Romênia. Caminhávamos em direção à Ucrânia, na região do rio Dniester. Ao chegar lá, nos juntaram a centenas de pessoas que já estavam lá. Andamos até o rio Bug, e fomos deixados na Transnístria. Já era inverno e muitas pessoas morriam de inanição todos os dias; minha tia Esther morreu de tifo, teve uma febre alta e se foi. Lembro que eu ficava em um espaço pequeno no chão frio, perto da parede e, quando ela morreu, os piolhos deixaram o corpo dela, pois o sangue pára, fica frio - e passaram a subir na parede, formando uma mancha preta. Todos tínhamos piolhos, pois não havia como tomar banho.
A Transnístria era terrível. As pessoas eram deixadas ao léu, para morrer de fome. Lá encontramos um grande número de judeus de Briceva, também. Às vezes eu saía para pedir esmola aos camponeses, e minha mãe pedia comida a eles também. Ela dizia que sobreviveríamos se chegássemos até Pessach, quando seria mais quente. Nesse meio tempo, meu pai morreu de inanição; os corpos se acumulavam para serem enterrados em uma vala comum. Logo, minha irmã, que estava com a perna congelada, também morreu.
Uma noite, dormíamos em um dos galpões, quando levaram a minha mãe. Pude ouvir os seus gritos – depois entendi que ela havia sido violentada. Infelizmente, um pouco depois de Rosa morrer, minha mãe também morreu. Fiquei sozinha. Uma mulher me pegou para pedir esmolas, eu andava cerca de 3km, na lama e na neve, e às vezes conseguia algo para comer... uma batata, uma beterraba...
Eu então fui para Obodovka, cidade de judeus, onde fui acolhida na casa de Rosa Berenstein, muito importante na minha história. Nessa época, fiquei doente, tive sarna e disenteria, que foi curada com uma dieta à base de batata. A família de Rosa tinha contato com a Joint e estavam recolhendo os órfãos para emigrarem para Israel via Romênia. Fui então para Balta, mas os navios haviam sido afundados, então voltei para a casa de Rosa a pé. Nessa jornada, meu pé ficou ferido. Fiquei com Rosa Spielberg - parente de Steven Spielberg, que filmou meu relato para a Fundação Shoah - que me ajudou. Voltei para a casa de Rosa Berenstein e em seguida tentaram me levar para Balta outra vez. Com a saída dos alemães, fui para Briceva, minha cidade natal, a pé. Lá encontrei a cidade destruída e minha casa ocupada por romenos. Fui para Secureni, onde Rosa trabalhava com cereais. Nesses dois anos, fiz o ginásio em uma escola russa. Tudo isso ocorreu entre 1941 e 1944; tentei vir para o Brasil, pois tinha tios morando aqui, mas não consegui receber o visto.
Fui para Israel, pois o marido de Rosa Berenstein tinha um irmão lá. Tinha que ir para Bucareste, depois para Istambul; quando cheguei lá, não havia lugar para embarcar. Por sorte, fui confundida com uma outra moça. Foi com o nome dela que viajei até Haifa. Lá, os ingleses não nos deixaram descer; jogaram gás no deck do navio, fazendo com que desistíssemos. Assim, fiquei 3 meses em Chipre, morávamos em bangalôs do exército. Engordei um pouco e depois fui finalmente para Israel, onde conheci meu futuro marido. Casamo-nos em um kibutz e em novembro de 1947 fomos para Tel Aviv. Ficamos seis anos em Israel, até decidirmos emigrar para o Brasil, pois queríamos viver em melhores condições. Rosa nos mandou uma passagem para o Brasil, e conseguimos o visto. Assim, em 25 de janeiro de 1954, chegamos ao porto de Santos com visto de imigrante.
Nasci em Briceva, na então Bessarábia, parte da Romênia desde a Primeira Guerra Mundial. A cidade era praticamente composta por judeus.
Levava uma vida normal, freqüentava a escola hebraica e recebia o ensino primário romeno. Uma vez, houve um pogrom dos camponeses da região. Possuíamos uma loja têxtil e éramos considerados burgueses. Temíamos ser mandados para a Sibéria. Por isso, fugimos quando os russos entraram na Bessarábia, em 1940. Ficamos um ano fora. Com a invasão alemã em 1941, minha mãe e minha irmã arrumaram uma carroça para fugirmos, eu tinha 11 anos e minha irmã Rosa, 17. Mandaram os judeus saírem da Romênia. Saímos de casa escoltados pelos gendarmes. Caminhamos cerca de seis meses. Andávamos a esmo pelas plantações de milho. Eles matavam quem não andava. Na época da colheita da batata, comíamos as batatinhas que sobravam no solo. Havia também um mingau composto de água e farinha, parecido com polenta.
Conforme um pacto entre alemães e romenos, os judeus da Bucovina e da Bessarábia deveriam ser entregues aos nazistas, para preservar os judeus da própria Romênia. Caminhávamos em direção à Ucrânia, na região do rio Dniester. Ao chegar lá, nos juntaram a centenas de pessoas que já estavam lá. Andamos até o rio Bug, e fomos deixados na Transnístria. Já era inverno e muitas pessoas morriam de inanição todos os dias; minha tia Esther morreu de tifo, teve uma febre alta e se foi. Lembro que eu ficava em um espaço pequeno no chão frio, perto da parede e, quando ela morreu, os piolhos deixaram o corpo dela, pois o sangue pára, fica frio - e passaram a subir na parede, formando uma mancha preta. Todos tínhamos piolhos, pois não havia como tomar banho.
A Transnístria era terrível. As pessoas eram deixadas ao léu, para morrer de fome. Lá encontramos um grande número de judeus de Briceva, também. Às vezes eu saía para pedir esmola aos camponeses, e minha mãe pedia comida a eles também. Ela dizia que sobreviveríamos se chegássemos até Pessach, quando seria mais quente. Nesse meio tempo, meu pai morreu de inanição; os corpos se acumulavam para serem enterrados em uma vala comum. Logo, minha irmã, que estava com a perna congelada, também morreu.
Uma noite, dormíamos em um dos galpões, quando levaram a minha mãe. Pude ouvir os seus gritos – depois entendi que ela havia sido violentada. Infelizmente, um pouco depois de Rosa morrer, minha mãe também morreu. Fiquei sozinha. Uma mulher me pegou para pedir esmolas, eu andava cerca de 3km, na lama e na neve, e às vezes conseguia algo para comer... uma batata, uma beterraba...
Eu então fui para Obodovka, cidade de judeus, onde fui acolhida na casa de Rosa Berenstein, muito importante na minha história. Nessa época, fiquei doente, tive sarna e disenteria, que foi curada com uma dieta à base de batata. A família de Rosa tinha contato com a Joint e estavam recolhendo os órfãos para emigrarem para Israel via Romênia. Fui então para Balta, mas os navios haviam sido afundados, então voltei para a casa de Rosa a pé. Nessa jornada, meu pé ficou ferido. Fiquei com Rosa Spielberg - parente de Steven Spielberg, que filmou meu relato para a Fundação Shoah - que me ajudou. Voltei para a casa de Rosa Berenstein e em seguida tentaram me levar para Balta outra vez. Com a saída dos alemães, fui para Briceva, minha cidade natal, a pé. Lá encontrei a cidade destruída e minha casa ocupada por romenos. Fui para Secureni, onde Rosa trabalhava com cereais. Nesses dois anos, fiz o ginásio em uma escola russa. Tudo isso ocorreu entre 1941 e 1944; tentei vir para o Brasil, pois tinha tios morando aqui, mas não consegui receber o visto.
Fui para Israel, pois o marido de Rosa Berenstein tinha um irmão lá. Tinha que ir para Bucareste, depois para Istambul; quando cheguei lá, não havia lugar para embarcar. Por sorte, fui confundida com uma outra moça. Foi com o nome dela que viajei até Haifa. Lá, os ingleses não nos deixaram descer; jogaram gás no deck do navio, fazendo com que desistíssemos. Assim, fiquei 3 meses em Chipre, morávamos em bangalôs do exército. Engordei um pouco e depois fui finalmente para Israel, onde conheci meu futuro marido. Casamo-nos em um kibutz e em novembro de 1947 fomos para Tel Aviv. Ficamos seis anos em Israel, até decidirmos emigrar para o Brasil, pois queríamos viver em melhores condições. Rosa nos mandou uma passagem para o Brasil, e conseguimos o visto. Assim, em 25 de janeiro de 1954, chegamos ao porto de Santos com visto de imigrante.
Um comentário:
Que história, uma verdadeira epopeia de uma mulher forte!
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